Assim, dá.

A resposta à pergunta inicial é sim. Quer dizer, não dá para ficar para sempre no momento inicial desta viagem, mas dá para ficar para sempre com o momento inicial desta viagem. Tal como eu gosto, tudo mudou de forma a confirmar-se e perpetuar-se. As expectativas foram confirmadas, o calor dos abraços familiares durou, somou-se o calor dos abraços de todos os desconhecidos que viraram amigos, que viraram gente que não vou esquecer; os abraços deixaram como marcas pequenas asas com as quais me sustive, mesmo afastada daquilo que me sustenta. Assim, dá, canta o sabiá.

volta

Em vários momentos, noto que valorizo mais o processo do que o final. No final, eu vou voltar. Voltar para casa, voltar para Portugal, voltar ao que eu já era. Mas, no processo, transformei-me, vivi, aprendi. Isto não é mais do que um cliché. Mas é um cliché vivo, uma pessoa que o confirma, que o testemunha. No final, que é o ponto onde estou agora, eu volto. E volta comigo o Brasil, volta a leveza de sentimentos, a vontade de sorrir, o saber que a vida é minha por direito, tanto natural como adquirido. No final, que é este agora, continuo a estar em processo. Passou por mim a experiência de ir, a experiência de voltar, e isso também é um processo. No final, é um processo.

selva de asfalto

Já vos disse que São Paulo é muito verde? Mesmo? Pois é, pode ser difícil de acreditar, mas é verdade. Esta gigante selva de betão, da qual só se vêm prédios à chegada ao aeroporto, esta extensão infinita de área construída, é também uma cidade verde, onde as flores abundam e os pássaros chilream. Ou seja, à escala do edifício, do ponto de vista de um avião, sim, ela é feita de cimento. Mas à escala humana, ao nível da rua, do chão, dos lugares onde estão as pessoas, está coberta de um verde luxuoso, exuberante, omnipresente, que vai despontando sempre que tem espaço, e reclama para si todos os lugares. Gosto, muito, disso. A dicotomia cidade vs. natureza é abstracta e impossível; se não houver natureza na cidade, a cidade morre. E esta cidade não precisa de provar a ninguém que está bem viva.


traseiras

Quantas vezes eu não fiquei a olhar para estas janela, voltadas para as traseiras de minha casa? Já conversei bastante aqui, sobre janelas, em particular sobre aquelas que são as únicas acesas quando a insónia nos leva à janela. Quem são esses desconhecidos, e o que saberão sobre nós? E o que imaginam sobre nós? Reconhecem-nos como nós os reconhecemos? Serei a menina do andar da frente, que estende roupa toda a terça-feira, que fala com os gatos pela manhã, e à noite poe-se a cismar, sentada, olhando para as janelas em frente?

Grande Sertão: Veredas

«Ah, tem uma repetição, que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais em baixo, bem diverso do que em primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?»

in Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa

Sumaré

O viaduto da estação de metrô Sumaré. Já aqui deixei descrita, num post acerca de memória, a impressão que me causou estar a atravessar à noite o viaduto que se vê ali ao fundo, paralelo a este. Nesse dia, ainda não tinha tido o privilégio de estar deste lado. De um lado ou do outro, de dia ou de noite, deixa-me sempre um sorriso, esta interseção de caminhos.